O papel das mulheres na história da Computação

Daniella Angelos
Novatics
Published in
8 min readMar 9, 2020

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Imagem: Mashable Composite Alfred Edward Chalon/Science & Society Picture Library

Atualmente (e felizmente) é cada vez mais comum que empresas de tecnologia busquem ativamente trazer diversidade entre seus colaboradores. Afinal, pessoas de diferentes contextos permitem a criação de soluções mais abrangentes, que alcancem todo tipo de público e não somente uma parcela da sociedade.

Esse esforço não é um ato de bondade dessas empresas. Ter pessoas diversas em posições de liderança pode contribuir para que essas organizações tenham destaque no mercado.

Um relatório da McKinsey mostrou a existência de uma correlação entre empresas com mais diversidade e empresas que apresentam uma excelente performance. O mesmo relatório afirma que a diversidade também impacta em um maior alcance de talentos a serem contratados, um maior engajamento de seus colaboradores e uma retenção de funcionários maior do que em empresas que não se preocupam com diversidade e inclusão.

Com relação à diversidade de gênero, mesmo com esse interesse e algumas ações para aumentar a contratação de mulheres, na prática, o número de homens e de mulheres trabalhando na área de tecnologia ainda é um abismo de diferença. Como cientista da Computação, a minha realidade, tanto na universidade quanto no mercado, sempre foi essa: ser uma das poucas mulheres presentes em sala de aula, eventos ou equipes de trabalho — quando não a única!

As razões para essa desproporção tão grande transitam por diversos debates. Por exemplo, a baixa representatividade de figuras femininas não motiva meninas e mulheres a considerarem a Computação — e o mercado de tecnologia em geral — como possível área de atuação. Tanto na história da computação, no papel de role models e inspirações, como atualmente em eventos e nas mídias, não ouvimos muitos nomes de mulheres.

Mas, na realidade, o que não sabemos é que a história da Computação é cheia de protagonismos femininos.

Uma linha do tempo das mulheres na história da Computação

Quando pensamos em computação com um contexto histórico, o nome de Alan Turing imediatamente surge à mente da maioria. Considerado o pai da ciência da Computação, sua maior contribuição para a área foi a criação, em 1936, da máquina de Turing, a fundamentação teórica por trás dos computadores modernos. Conhecidamente homossexual, Turing é um grande representante da comunidade LGBT na história da computação.

Os nomes de Steve Jobs, Stevie Wozniak e Bill Gates são devidamente lembrados por seus importantes papéis na popularização dos computadores de uso pessoal. John von Neumann, Richard Stallman, Linus Torvalds também são nomes familiares para nós. Usamos algoritmos batizados por nomes de homens.

A dimensão da contribuição de todos eles é inegável. Mas também é inegável que conhecemos muitos nomes masculinos e pouquíssimos nomes de mulheres, mesmo com muitas figuras femininas bem presentes na história, que lutaram para conquistar espaço e fizeram contribuições fundamentais. Nós tivemos um papel essencial no desenvolvimento da ciência que hoje representa tanto impacto no mundo.

Talvez você já tenha ouvido o nome Ada Lovelace e até Grace Hopper, mas a lista vai muito além disso. Abaixo apresento uma breve linha do tempo com alguns nomes femininos e pelo o que elas foram responsáveis durante as décadas de desenvolvimento da ciência da Computação:

Ada Lovelace, o nome feminino mais conhecido na computação, escreveu em 1843 o primeiro algoritmo publicado da história. Seu algoritmo foi projetado para ser executado por um computador, portanto, Ada é considerada a primeira programadora do mundo.

Avançamos para a década de 40, quando já temos os primeiros computadores usados para propósitos gerais. Durante esse período, Kathleen Booth foi uma das primeiras pessoas a trabalhar com o conceito que hoje conhecemos como software, em uma época que programar era um trabalho árduo que exigia decorar extensas sequências de 0s e 1s. Ela então inventou a linguagem assemby, o que tornou a tarefa de programar imensamente mais amigável.

Na mesma década, a atriz Hedy Lamarr co-inventou um sistema de orientação por rádio, utilizado pela marinha americana nos anos 60. O princípio por trás desse sistema foi o mesmo princípio usado posteriormente em tecnologias como o Bluetooth e versões anteriores do padrão Wi-Fi.

Chegando na década de 50, temos uma das maiores — e mais icônicas — personalidades da computação. Pausa na linha do tempo para contar algumas curiosidades sobre a carreira de Grace Hopper.

Hopper foi uma cientista da computação americana afiliada à marinha dos Estados Unidos. Um grande nome no pioneirismo da área, implementou um dos primeiros compiladores, o que a levou a ter um papel importantíssimo na popularização de linguagens de programação. Até então, cada computador era programado em seu próprio assembly (da Kath Booth, lembra?), totalmente dependente de sua arquitetura. Programar em computadores de diferentes arquiteturas significava conhecer diferentes linguagens assembly.

Hopper visionou uma linguagem de programação que independe de máquina/arquitetura e tivesse uma linguagem de mais alto nível, ou seja, mais próxima da nossa linguagem natural. Em 1952, ela concluiu seu compilador que convertia palavras em inglês para código de máquina, o que tornou sua visão possível.

Em 1959, Hopper criou a linguagem orientada a processamento de banco de dados: COBOL — usada até hoje, principalmente em sistemas bancários.

Curiosidade: Em 1946, Grace Hopper fazia parte de um time técnico na universidade de Harvard. Esse mesmo time foi requisitado para investigar um mal funcionamento de um dos equipamentos do laboratório. Após analisar alguns dos painéis de registros, o time conseguiu identificar o local que estava causando o erro e encontraram um inseto — ou bug, em inglês — preso aos transmissores.

Grace adicionou a legenda “Primeiro caso real de bug encontrado” no relatório final. Esse é o primeiro registro dessa palavra sendo usada para expressar uma falha no contexto da computação — o primeiro de milhões.

Voltando à linha do tempo:

Enquanto isso, a irmã Mary Kenneth Keller finalizava seu doutorado em Ciência da Computação, a segunda pessoa dos EUA a alcançar o título. Acreditava com convicção no potencial dos computadores em ampliar o acesso à informação e educação. Criou o departamento de computação na universidade de Clarke, uma faculdade só para mulheres, e militava ativamente para obter um maior envolvimento feminino na área.

Nos anos 60, Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson, três mulheres negras, venceram diversas barreiras impostas por preconceitos para que astronautas como Neil Armstrong, Alan Shepard, e Glenn fizessem suas viagens espaciais com segurança. Elas eram responsáveis pelos cálculos de equações matemáticas que definiam as órbitas espaciais. Elas inspiraram o filme Estrelas Além do Tempo, baseado no livro de mesmo nome, que homenageou os grandes feitos dessas três mulheres.

Elas não foram as únicas a se destacarem durante a corrida espacial: Margaret Hamilton foi engenheira de software e diretora do time Software Engineering Division de um dos laboratórios do MIT. O time era responsável por criar software de orientação de bordo necessário para navegar e pousar astronaves na lua, e suas variações usadas em várias outras missões do projeto Apollo.

Só mais uma pausinha!

O trabalho de Margaret Hamilton evitou que o pouso na lua da Apollo 11 fosse abortado. Quando faltavam poucos minutos para a nave pousar, vários alarmes do módulo lunar foram acionados. O computador ficou sobrecarregado com atividades do radar de aproximação, desnecessárias para o pouso.

Entretanto, por ter escrito o código, ela conhecia o sistema e sabia que ele seria capaz de realizar o pouso, pois foi programado para desconsiderar as tarefas desnecessárias no momento da aterrissagem — e foi o que aconteceu. A nave então pousou com sucesso — como sabemos — o que implicou no grande passo para a humanidade. A falha foi depois atribuída a um erro humano na lista de comandos a serem executados pelos astronautas.

Se o computador não tivesse reconhecido esse problema e se recuperado, não acredito que a Apollo 11 teria pousado na lua com sucesso. — Margaret Hamilton

Na foto abaixo, Hamilton posa ao lado de todo o código — e quanto código — do software de navegação que ela e sua equipe no MIT produziram para levar o homem à lua. Essa imagem se tornou icônica tanto com relação ao incrível feito espacial realizado, como representação feminina na história da ciência.

Calma, está acabando:

Na década de 70 temos a primeira mulher a entrar no mercado de games! Carol Shaw trabalhava para a Atari, uma das empresas pioneiras da área. Em 1978, foi a responsável por criar o sistema de geração procedural de conteúdo, que permitiu a criação de fases diferentes — passo gigante pros games.

Um pulo para o século XXI! Frances Allen teve um impacto enorme na área de pesquisa de compiladores, criando alguns dos algoritmos que definiram a base para a tecnologia de otimização usada por eles. Também liderou o time que desenvolveu a primeira estrutura usada para execuções paralelas de instruções pelos compiladores.

No começo de 2019, o mundo foi apresentado à primeira imagem dos arredores de um buraco negro. O feito é resultado do esforço de vários pesquisadores do consórcio internacional Telescópio Horizonte de Eventos (EHT). Entre eles, o nome da cientista da computação norte-americana Katie Bouman se destaca. Aos 30 anos de idade, ela liderou o time que foi responsável por desenvolver o algoritmo de cruzamento e correção de dados obtidos pelos telescópios. Esse algoritmo foi essencial para a construção da imagem de um buraco negro localizado há 55 milhões de anos-luz do Sistema Solar.

A foto da reação da Katie quando a imagem foi gerada pela primeira vez viralizou nas redes sociais de todo o mundo.

Com esse incrível feito da Katie Bouman e o de todas as outras mulheres, a gente encerra a linha do tempo aqui.

Espero que tenha conseguido ilustrar o tamanho da contribuição das mulheres ao longo da história da computação. Tantos nomes presentes ao longo do século passado, e vários já deixando sua marca no século atual, servem como inspiração para mulheres ao redor de todo o mundo continuarem ocupando espaços e contribuindo incrivelmente para essa ciência.

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